O PARÁ TEM DEZENAS DE CÍRIOS E ROMARIAS NO ANO

 Em outubro mais de dois milhões de devotos tomam as ruas da capital paraense na maior procissão de fé do Brasil e uma das maiores manifestações do mundo: o Círio de Nazaré,  desde 1793 em Belém do Pará. Mas tanta demonstração de fé não ocorre somente neste mês: dezenas de círios são realizados ao longo do ano no estado paraense.

 O fato mais curioso é que o mês que bate recorde de celebrações em homenagem à Nossa Senhora de Nazaré, segundo a Arquidiocese de Belém, é o de novembro. Ao todo são 17 círios realizados nas comunidades do interior. celebração do Círio de Nazaré é tão importante que é considerado o Natal dos paraenses.

 Apesar da devoção ser em torno da mesma Santa, cada município tem a sua peculiaridade. Em Soure, por exemplo, um grupo de homens montados a cavalo e em búfalos faz o cortejo da imagem. Situação semelhante ocorre no círio de Paragominas, no qual uma cavalgada recebe uma bênção especial de Nossa Senhora.

 A arquidiocese registra, além do Círio de Belém, outros 36 círios nas comunidades do interior (veja infográfico)
Janeiro: Santa Bárbara
Novembro: Acará; Barcarena; Bragança; Breves; Marituba; Marudá; Maracanã; Magalhães Barata; ParagominasPirabas; Primavera; Santa Cruz do Arari; São Miguel; SalvaterraSantarémSoure; Viseu; Pitimandeua (em Inhangapi); São Jorge do Prata; Tauá, e; Distrito de Icoaraci (em Belém). 



 Porém, de acordo com levantamento da pesquisadora socióloga Denise Simões, pode chegar a cem o número de romarias realizadas no estado, o que demonstra a força da Virgem Maria na construção da história e da identidade cultural do povo paraense. “A força da fé mariana é uma mola propulsora do povo paraense que, para enfrentar tantos desafios de viver na Amazônia, encontrou amparo em algo mágico, que é a fé. Ela, uma figura feminina, é capaz de deter tamanha força. Isso indica a importância na evangelização da Amazônia”, analisa.
 Antônio Jorge Paraense, doutor em Ciências Humanas, no entanto, também garante que a devoção alcança um horizonte ainda maior do que contabilizam os registros oficiais. "Outros círios são realizados em homenagem à Maria sob outras titulações: Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Senhora da Saúde, Conceição, Aparecida, entre outros. Isso ocorre, por exemplo, no Círio de Nossa Senhora das Graças, realizado em Icoaraci; e no de Nossa Senhora do Ó, em Mosqueiro”, afirma o pesquisador.

 A doméstica Dulci Lobo, moradora de Soure, diz que a procissão de lá é uma das mais bonitas do Estado. “O cortejo a nossa senhora é um dos mais bonitos que já vi. São homens com vestes marajoaras que cavalgam em cavalos e búfalos. São centenas de animais que fazem um lindo cortejo a santa. Vale a pena participar”, lembra.


FÉ RIBEIRINHA:


 A devoção à Virgem marca, sobretudo, o povo ribeirinho. “O mapeamento que estou desenvolvendo sobre os círios no Pará revela um dado importante: os municípios que estão à beira dos rios, quase 100% possuem círios”, Antônio Jorge sobre a estreita ligação ribeirinha com a fé na santa padroeira. “Temos a necessidade inata da presença da mãe protetora. Supondo que um rio de águas turvas seja sempre um ‘desconhecido’ no que tange não termos noção do que esse rio nos reserva, buscar auxílio no sobrenatural tem sido uma atitude recorrente entre as comunidades do Pará”, analisa Antônio Jorge.

 Localizada a 80 quilômetros da capital, Vigia, cidade ribeirinha localizada no nordeste do Pará, é o berço da tradição mariana. Ainda no século 17, fiéis já se reuniam na romaria em homenagem à Senhora de Nazaré. Realizado sempre no segundo domingo de setembro, um mês antes do Círio de Belém, a procissão da Vigia (tradição com mais de 300 anos) que inspirou o cortejo da capital, também traz elementos como berlinda, corda, carros de anjo, carro dos milagres. O destaque fica para o Anjo Guardião do Brasil, que é representado por uma jovem montada em um cavalo, que conduz o pavilhão nacional, na abertura do Círio.
 Também no nordeste do estado, a cidade Bragança, a 200 quilômetros de Belém, promove uma das romarias mais antigas do Pará. Realizado em novembro, o Círio de Bragança, município com 401 anos de história, é o terceiro mais antigo do Pará. Durante a festividade, mais de 30 mil casas recebem a visita da imagem peregrina. Ao todo, são 11 romarias. 
CRENÇA QUE SE RENOVA:


 Além de romarias com séculos de tradição, a população paraense revela uma renovação da fé mariana por meio de municípios que passam a realizar o Círio, adotando a procissão religiosa no calendário da cidade. “Estão acontecendo novas procissões como é o caso de Ipixuna que em 2012 realizou sua primeira procissão, no entanto, a homenageada é Maria, mas sob o nome de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro”, diz o pesquisador Antônio Jorge.



 O surgimento de novas romarias, além de devoção, demonstra também o papel social e agregador da figura de Nossa Senhora. “O Círio é sempre motivo para que aqueles que estão fora retornem para ver os seus. Além de uma manutenção da fé, é manutenção dos laços familiares e geográficos. Então é possível identificarmos esses fluxos: no Círio de cada município, os que saíram de sua terra natal voltam em busca desse conforto íntimo e familiar, daquilo que o define em sua identidade afetiva e cultural”, diz.
 O caráter democrático e, ao mesmo tempo, um símbolo único na cultura do estado... “O que motiva as pessoas a longas caminhadas e ao sacrifício, um sentimento de pertencimento muito grande ao Pará, e um sentimento de solidariedade e de fé, mas uma fé que não é marcada pelo controle eclesiástico. É um ‘maravilhamento’ que faz sumir a voz das pessoas, quando a emoção as domina, e dai vêm as lágrimas. O Círio representa muito bem a Amazônia, que apesar de ser brasileira, é uma região única. Louva-se a mulher forte que gera, que cria, que protege, que encaminha. Não à toa temos tantas Marias de Nazaré no Pará” afirma Denise Simões.

CULINÁRIA:


 No Pará, a festa do Círio de Nazaré é tão importante que pode ser considerado o Natal dos paraenses. E assim como na data de nascimento de Jesus, é preparado um farto banquete com comidas típicas durante o mês da celebração.

 Um dos pratos clássicos da época é a maniçoba, feita à base de folha de mandioca que, por ser tóxica e letal, precisa ser fervida durante sete dias e sete noites para ser consumida. O caldo grosso e escuro, temperado com linguiça, paio e carne de porco, lembra muito a feijoada – daí seja chamada de “feijoada paraense”. Outro prato típico é o pato no tucupi, no qual a ave é cozida junto ao soro da mandioca brava. A preparação é servida com jambu, erva de sabor acentuado que adormece a língua.
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